A história do veganismo é longa e complexa. Distante de um conceito Ocidental, este estilo de vida tem existido em muitos países do mundo inteiro, ao longo de milhares de anos.
Nunca como agora se observou um número tão grande de pessoas, dispersas por todo o mundo, que optam por uma alimentação sem carne.
Mas a alimentação vegan não é uma invenção moderna, e as dietas sem carne não dependem de alternativas inovadoras. Alguns antropólogos acreditam que os primeiros humanos colhiam e comiam sobretudo plantas. Ocasionalmente, complementavam a sua dieta, que era essencialmente à base de plantas, com proteína animal e carne.
Estudos sobre o Paleolítico e a Idade da Pedra revelam que os primeiros humanos colhiam até 55 tipos diferentes de plantas para comer, e dependiam muito de alimentos naturalmente vegetarianos para obter as suas necessidades nutricionais e para sobreviver.
Antes da fundação da “The Vegetarian Society” (VegSoc) [A Sociedade Vegetariana] em 1847, a palavra em si “Vegetariano” não era muito usada. Foi necessário chegarmos à década de 1960 para que a dieta sem carne se tornasse popular nos EUA e no Reino Unido. Mas as dietas sem carne estavam e estão presentes de várias formas em diferentes países do mundo.
A história da alimentação vegetariana não pertence aos países ocidentais. Na verdade, há milhares de anos que a alimentação de base vegetal está presente em algumas regiões do mundo, dispersas pelo globo. Cada nação tem a sua própria versão de dieta sem carne, com a sua própria história, influências, ingredientes e deliciosos pratos nacionais.
Muitos seguidores das tradições Dármicas (indianas) antigas, como o Hinduísmo, Jainismo, Budismo e Siquismo, juntamente com alguns crentes das religiões Abraâmicas, como o Islão, o Judaísmo e o Cristianismo, mantêm um estilo de vida sem carne, como parte da sua doutrina religiosa. Por este motivo, tem sido frequente a história e o desenvolvimento das religiões moldarem os comportamentos nacionais no que concerne ao consumo de carne.
Seis países com uma cultura histórica ligada com o Veganismo
É possível encontrar culinária vegana e cultura vegetariana em muitos países. Esta cozinha está frequentemente enraizada na tradição, nas crenças religiosas e nos marcos culturais. Mais do que uma tendência moderna, um estilo de vida ocidental, ou uma mania da juventude, seguir um estilo de vida que integre uma alimentação vegetariana pode ser uma opção profundamente pessoal, com uma miríade de conotações complexas.
Os países que se seguem têm um histórico cultural de uma alimentação sem carne e apresentam uma crescente demografia vegana.
1. Índia
O registo mais antigo do vegetarianismo data do século V a.C., na Índia. A antiga religião Jainismo promove uma dieta sem carne. O vegetarianismo jainista é uma das dietas mais restritas e rigorosas motivadas pela religião, no subcontinente indiano. O Hinduísmo e o Budismo também integram uma dieta vegetariana, com origem no ano 1500 a.C. e no século V, respetivamente.
Na cultura indiana, a prática da não-violência, ou ahiṃsā, fundamentou um modo de vida sem carne. Está presente no Jainismo, Hinduísmo e Budismo. A ideia de que todos os seres vivos, incluindo os animais, têm uma centelha de energia divina inspira o conceito de ahiṃsā, inerente a estas religiões. De acordo com o Jainismo, a universalidade da energia divina significa que quando alguém magoa os outros está a ferir-se a si próprio.
Segundo os censos governamentais, cerca de 23-37% da população indiana actual é vegetariana. Contudo, alguns especialistas acreditam que a pressão cultural e societal pode levar a uma sobre-representação do consumo de carne.
Contudo, os trabalhos de investigação do economista indiano Suraj Jacob e do antropólogo americano Balmurli Natrajan, indicam que hoje em dia somente 20% da população indiana é, de facto, vegetariana – uma percentagem muito menor do que a sugerida pelos dados do governo.
Algumas pessoas associam o vegetarianismo ao conservadorismo social e à tradição religiosa restritiva. Pelo contrário, o consumo de carne pode ser visto como um comportamento liberal e moderno. Porém, se por um lado as atitudes nacionais em relação à carne e aos produtos de origem animal variam, por outro, também se observa uma procura crescente por produtos vegan modernos.
Os especialistas colocam a hipótese de que o uso das redes sociais terá aumentado a consciência face às questões éticas e de sustentabilidade em torno da carne. À semelhança do que sucede noutros países, esta consciência pode ser encontrada principalmente entre os jovens.
2. China
Segundo a cadeia de Televisão, ABC, atualmente, cerca de 50 milhões de pessoas chinesas seguem uma dieta vegetariana – menos de quatro por cento da população total. Mas os alimentos de base vegetal continuam a fazer parte integral da gastronomia nacional, incluindo o tofu – que é consumido na China há mais de 2000 anos – conhecido como a ‘carne vegetariana’.
De acordo com a operadora de turismo online China Highlights, a maioria dos chineses vegetarianos não consome carne devido às suas crenças religiosas. Cerca de metade dos Budistas que existem no mundo vive na China; os monges budistas, em particular, tendem a seguir uma dieta vegetariana rigorosa. Também é frequente que excluam produtos de origem animal, nomeadamente ovos e lacticínios.
De uma forma geral, o Budismo tem tido um impacto significativo na gastronomia chinesa. Também tem estado na base de pratos regionais de outros países do Sudoeste Asiático, nomeadamente a Coreia, o Camboja e a Tailândia.
O número de restaurantes Budistas vegetarianos tem aumentado na China, ano após ano. A indústria de ‘carne vegetariana’ continua a crescer – e em parte, graças à população Budista.
Em 2019, realizou-se, em Xangai, o primeiro festival de ‘carne vegetariana’, que recebeu produtores e produtos nacionais e estrangeiros. Segundo o grupo “The Good Food Institute”,o mercado da ‘carne’ de base vegetal tem crescido 14,3% por ano na China, desde 2014.
A Beyond Meat abriu recentemente uma grande unidade de produção na China, ao mesmo tempo que a Green Monday OmniPork está disponível, em todo o país, nos supermercados Aldi. Os peritos estimam que o mercado de comida chinesa vegan possa vir a valer perto de 12 mil milhões de USD dólares, em 2023.
3. Japão
A alimentação de base vegetal também faz parte da cozinha japonesa. Ainda que ser totalmente vegan possa constituir um desafio em algumas regiões, alguns alimentos básicos como o tofu desempenham um papel fundamental na cultura japonesa centrada na alimentação. No arquipélago japonês de Okinawa, os alimentos de base vegetal constituem a maioria da dieta tradicional. Não obstante, como país insular, a gastronomia nacional e regional do Japão integra uma grande quantidade de peixe e marisco.
Com a introdução do Budismo no Japão, por volta do século VI, comer carne tornou-se tabu, devido ao Primeiro e Quinto Preceitos Morais. Ou seja, pela proibição de matar animais e pela classificação da carne como toxina para o corpo. Os Cinco Preceitos Morais são centrais para a filosofia moral de muitos Budistas. Além disso, a dieta básica dos monges Budistas – Shojin Ryori – é, por definição, vegan.
Pela sua ligação às escrituras religiosas rigorosas, o veganismo não foi entendido como uma ‘tendência’ ou estilo de vida, conforme sucedeu noutros países. De qualquer modo, a maior parte das cidades e lugares oferecem opções vegan, havendo com frequência restaurantes vegetarianos perto de templos Budistas.
Em 2019, foi inaugurado um supermercado totalmente vegan perto da Estação Ferroviária Asakusa, em Tóquio. Ao mesmo tempo, o mercado da ‘carne’ de base vegetal continua a crescer. De acordo com a Agência Japonesa de Turismo, cerca de 4% da população japonesa é vegetariana.
Certos pratos nacionais populares, como a soja fermentada ou natto, são naturalmente vegan e particularmente saudáveis. A soja fermentada é rica em proteína e contém vitaminas, minerais e probióticos. Outros alimentos e ingredientes, incluindo o miso, as massas soba e udon, umeboshi, ramen vegetariano e até a sobremesa à base de arroz glutinoso, mochi, são frequentemente vegan.
4. Grécia
O vegetarianismo tem uma longa história. Desde logo, na filosofia da Grécia Antiga onde se encontram referências explícitas à defesa dos animais. Antes da palavra ‘vegetariana’ se tornar popular, a dieta sem carne era normalmente descrita como a Dieta Pitagórica.
Tal denominação deve-se a Pitágoras, filósofo e matemático grego, que acreditava que a dieta vegetariana era saudável quer para o corpo, quer para a mente.
Pitágoras também acreditava que todos os seres vivos – incluindo os animais – tinham alma e podiam experimentar o sofrimento. Por este motivo, e por entender que a dieta vegetariana era óptima para os humanos, Pitágoras afirmava que comer animais era desnecessário; por conseguinte, indefensável. Muitos dos seus seguidores, pitagóricos, também seguiam uma dieta vegetariana, sem carne.
Mais recentemente, e à medida que o consumo de carne foi aumentando de forma generalizada na Grécia, esta permaneceu um produto de luxo, reservado para os mais ricos. Este facto deveu-se, sobretudo, aos custos proibitivos da criação de animais para alimentação. Ao invés, a fruta, os legumes e outros alimentos nutritivos constituíam o grosso da dieta tradicional da Grécia, tal como ainda acontece.
Muitos nutricionistas e peritos da saúde destacam a dieta mediterrânica como sendo uma das mais saudáveis. Isso deve-se à predominância dos alimentos vegetais, que acompanham pequenas quantidades de produtos de origem animal, em particular, peixe fresco e mariscos. De um modo geral, a carne continua a ser um item de luxo para muitas comunidades rurais e de baixos rendimentos.
A população grega que segue uma dieta exclusivamente de base vegetal é aquela que se encontra entre os 18 e os 24 anos – uma tendência que se observa entre a demografia milenar e mais jovem em todo o mundo.
5. Jamaica
A Jamaica é o berço do Rastafári, um movimento religioso e social que se espalhou pelo mundo inteiro. A maioria dos seguidores do rastafarianismo seguem as restrições dietéticas descritas no livro bíblico do Levítico, pelo tanto, evitando os crustáceos e o porco.
Mas muitos Rastas praticam uma dieta vegetariana ou vegan, baseando-se não apenas no Levítico, mas agregando igualmente influências da cozinha indiana na sua gastronomia nacional. À semelhança das dietas religiosas dos Jainistas, Hindus e Budistas, alguns consideram a dieta Rastafári I-tal como sendo proto-vegan.
A dieta Rastafári – conhecida como I-tal, deriva do termo “vital” – destaca os alimentos produzidos de forma natural e orgânica e que são geralmente locais. Em certa medida, os Rastas também comercializam a dieta I-tal. Com efeito, pela sua vasta oferta, facilmente se podem encontrar pratos, bebidas e batidos preparados com as indicações I-tal.
Em geral, os seguidores da dieta I-tal acreditam que esta dieta aumenta a vivacidade e a ‘energia vital’. Da cozinha tradicional jamaicana I-tal fazem parte os guisados na panela, que incorporam produtos locais e sazonais. Graças ao clima tropical, as frutas e os legumes são abundantes, o que se reflete na gastronomia jamaicana.
6. Israel
Nos últimos anos, Israel garantiu o seu lugar como um dos países onde o veganismo mais tem florescido. Atualmente, as pessoas que adoptaram um estilo de vida vegan perfazem mais de cinco por cento da população. Em Telavive, em particular, podem encontrar-se diversos restaurantes vegan reconhecidos mundialmente. Nesta cidade, a mais populosa de Israel, existem mais de 400 restaurantes considerados vegan-friendly.
Alguns israelitas defensores da dieta vegetariana observam que, para que aqueles que se mantêm Kosher, verificar a composição dos alimentos e pensar sobre o que se come é, em geral, algo familiar. O cerne da gastronomia nacional de Israel está em comer da terra, quer local, quer sazonalmente.
Muitos dos pratos tradicionais de Israel priorizam os legumes frescos, a fruta e as leguminosas. Pratos como os couscous, húmus, falafel, baba ganoush à base de beringela e folhas de videira recheadas – ou dolma – são frequentemente citados como pratos vegetarianos.
Nos últimos 50 anos, os habitantes da cidade israelita de Dimona – conhecida como a Vila da Paz – têm seguido uma dieta de base vegetal. Localizada em Neve Shalom, a Vila da Paz é o lar de uma comunidade religiosa chamada Israelitas Africanos de Jerusalém. Apesar de não serem judeus, os membros desta comunidade consideram-se como os “descendentes espirituais” dos antigos israelitas.
O grupo contribuiu para que a alimentação vegan se tornasse popular em todo o país. Chegaram mesmo a abrir a sua própria fábrica de bebida de soja, tofu e outros alimentos básicos, numa altura em que as alternativas ainda não estavam disponíveis. Em 2015, esta fábrica forneceu o queijo usado no primeiro teste de pizza vegan da Domino’s – exclusivamente em Israel.
O interesse no vegetarianismo e no veganismo duplicou na última década e a alimentação de base vegetal está mais globalizada do que nunca.
Artigo adaptado da página LiveKindly
Tradução por Ana Luísa Pereira