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Alimentação: uma causa de pandemias e resistência a antibióticos?

A produção intensiva de animais, impulsionada pela elevada procura por produtos de origem animal, apresenta graves riscos à saúde pública. Ambientes insalubres na criação de animais facilitam a proliferação e mutação de patógenos, gerando zoonoses e pandemias, como evidenciado por doenças como Ébola, HIV, Nipah e COVID-19. Por sua vez, o uso rotineiro de antibióticos na pecuária contribui para a resistência antimicrobiana, uma ameaça crescente que causou 4,95 milhões de mortes em 2019. Ações urgentes são necessárias para mitigar esses riscos e prevenir futuras pandemias.
Alimentação a causa de pandemias e resistência a antibióticos

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Zoonoses e Pandemias

O aumento da procura por produtos de origem animal, e a consequente produção intensiva para atender a essa procura, tem efeitos muito negativos para a saúde pública, incluindo um risco aumentado de doenças zoonóticas, resistência a antibióticos e o perigo de se potenciar futuras pandemias.

Estima-se que cerca de 60% das infeções humanas tenham origem animal. De todas as doenças infeciosas humanas novas e emergentes, cerca de 75% passam de outras espécies animais para as pessoas, sendo que a maioria das zoonoses acontecem indiretamente, por exemplo, através do sistema alimentar. Em particular, mais de 36% das doenças infeciosas novas e emergentes surgem de animais de pecuária.

Os animais da pecuária industrial são selecionados para terem um crescimento rápido, vivem em espaços fechados e lotados, com pouca ou nenhuma luz natural, estão sujeitos a um elevado nível de stress e apresentam uma imunidade baixa. Por conseguinte, criam-se as condições perfeitas para os vírus e outros agentes patogénicos proliferarem e poderem sofrer mutações, correndo-se o risco de se transformarem em estirpes que podem representar uma ameaça séria à saúde pública

Se olharmos atentamente para doenças como o Ébola, VIH, Nipah e, ainda tão presente nas nossas memórias, para a COVID-19, percebemos que existe uma ligação entre a forma como nos relacionamos com os animais, o consumo de produtos de origem animal e as pandemias. Muitos cientistas têm anunciado a possibilidade da próxima pandemia ser causada por um vírus influenza de origem aviária ou suína, emergindo de uma exploração de aves ou porcos.

Segundo o livro “Pandemias, Saúde Global e Escolhas Pessoais”, da autoria de Cynthia Schuck Paim e Wladimir Jimenez Alonso, um exemplo de cenário que potencia o surgimento de zoonoses são as explorações de animais para a produção de frango, onde o crescimento apressado, o confinamento e o stress crónico a que estes animais estão submetidos deixa o seu sistema imunitário fragilizado. Também os elevados níveis de poluentes aéreos, como amoníaco e a poeira fecal, que resultam da presença do grande volume das fezes dos animais nestes espaços fechados, compromete a sua função respiratória e as suas barreiras de defesa contra infeções. 

A segurança e a higiene alimentar são de máxima importância, mas não há como garantir que todos os procedimentos de controlo higiénico na indústria são sempre assegurados por um comportamento exemplar e isento de erros dos operários. O descarte inadequado de carcaças de animais pode ser mais comum do que imaginamos. Por exemplo, no livro “Pandemias, Saúde Global e Escolhas Pessoais”, lê-se que, durante uma série de surtos de gripe aviária altamente patogénica no Egito, uma investigação conduzida por pesquisadores da Organização para a Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO) descobriu que os meios usuais para o descarte de carcaças de frango incluíam o seu uso para a alimentação de cães e o descarte de aves mortas em cursos de água da região”.

O elevado número de animais que morrem antes de serem encaminhados para os matadouros, ou que são reprovados no post-portem, também traduz a fragilidade da saúde dos mesmos e das condições em que são criados. Segundo o livro “Pandemias, Saúde Global e Escolhas Pessoais”, mais de 165 milhões de frangos são abatidos diariamente para a produção de carne e mais de oito milhões dessas aves morrem por dia antes de serem abatidas.

Além dos perigos para a saúde pública associados à criação dos animais em explorações, o transporte de animais vivos traz outra possibilidade de propagação de doenças. Com o sistema imunitário fragilizado, devido ao stress e constante contacto com os efluentes (que podem aumentar a libertação de patógenos como Salmonella e Escherichia coli),a multiplicação de patógenos é ainda potenciada durante o transporte destes animais, que se pode arrastar durante longas horas de viagem.

Em 2020, as Nações Unidas publicaram uma avaliação científica com mensagens-chave para decisores políticos, designada de “Prevenir a Próxima Pandemia — Doenças Zoonóticas e Como Quebrar a Cadeia de Transmissão”. Também este relatório avisa para o aumento da frequência de micro-organismos patogénicos que estão a “saltar” de outros animais para as pessoas, devido às atividades humanas insustentáveis, e considera que a propagação de zoonoses é impulsionada por sete fatores específicos: 

  • Procura crescente por proteína animal
  • Expansão agrícola intensiva e não sustentável
  • Maior utilização e exploração da vida selvagem
  • Uso insustentável dos recursos naturais, acelerado pela urbanização, mudanças no uso do solo e indústrias extrativas
  • Viagens e transportes
  • Mudanças na cadeia produtiva dos alimentos
  • Alterações climáticas 

No passado mês de junho de 2024, a Organização Mundial da Saúde confirmou a primeira morte pela variante H5N2 da gripe aviária num humano. O vírus foi detetado no México num homem de 59 anos, sendo que o vírus H5N2 já tinha sido relatado em aves neste mesmo país. 

Também muito recentemente, a CNN conta o caso da deteção da variante H5N1 em diversas explorações de leite nos Estados Unidos. Nos mamíferos, a gripe normalmente infecta os pulmões. Nos gatos, também pode infectar o cérebro. Neste caso, uma vez que foi identificado em vacas, foi diferente: detetou-se uma enorme quantidade de vírus na mama e no leite, sendo que várias vacas ficaram doentes e vários animais morreram. Testes adicionais ao leite, à venda nos supermercados das zonas mais afetadas, detetaram material genético do vírus H5N1 em 1 em cada 5 amostras testadas (mas foi assegurado que os fragmentos do vírus detetados no leite não eram infecciosos e poderiam continuar a ser vendidos). Este caso levou à conclusão de que as vacas têm os mesmos receptores para os vírus da gripe que os humanos e as aves e que estas podem ser um novo hospedeiro para a mutação do vírus. Isto pode colocar-nos no caminho de uma nova pandemia, como há muito tem vindo a ser alertado pelos cientistas.

Com todas estas perdas e ameaças à eficácia na produção de leite e aos lucros proveniente dos negócios da pecuária industrial, rapidamente surgem apoios de compensação aos negócios de exploração intensiva de animais, de forma a compensar os trabalhadores do setor.

big breeding pig farmthe breeder pig cage

Resistência antimicrobiana

Para compensar a fragilidade dos sistemas de produção e o surgimento de doenças, o setor passou a depender fortemente do uso profilático de antibióticos, que envolve a sua administração rotineira a todos os animais, via ração ou água, para prevenir infeções que de outra forma seriam inevitáveis ​​nessas condições. Estima-se que 66% de todos os antibióticos empregados em todo o mundo são usados ​​na pecuária.

A Resistência antimicrobiana (RAM) ocorre quando um micro-organismo, como bactérias, vírus, fungos e parasitas, sobrevive ou cresce ao longo do tempo, não sendo inibido pelos agentes antimicrobianos, isto é, por medicamentos que deveriam matar esses micro-organismos, tornando as infeções mais difíceis de tratar e aumentando o risco de morte.

Estima-se ainda que, em 2019, 4,95 milhões de mortes estiveram associadas à resistência antimicrobiana bacteriana, incluindo 1,27 milhões de mortes diretamente atribuíveis à mesma (causando, assim, mais mortes que o VIH e a malária)., Estima-se também que, até 2050, 10 milhões de mortes em todo o mundo possam resultar da resistência aos antibióticos, tornando este problema mais letal que o cancro.

Jordi Vila, membro da Direção do Hospital Universitário de Barcelona, afirmou à Euronews, em 2016, que, a este ritmo, corremos o “risco de contrair infeções que podiam ser curadas há 30 anos com um antibiótico normal. Dentro de 20/25 anos, já não haverá medicamentos que as tratem”.

Estudos indicam que a RAM é já considerada uma das dez principais ameaças globais à saúde pública,.

Analisando um estudo do The Lancet, o The Guardian resume, num artigo de 2022, que a RAM já está a matar mais pessoas do que o vírus VIH ou a Malária. Muitas centenas de milhares de mortes estão a acontecer devido a infeções comuns, anteriormente tratáveis.

Um relatório publicado este ano (2024), que analisou o frango vendido num dos maiores retalhistas europeus, detetou, nestes animais, uma elevada percentagem de presença de bactérias resistentes a antibióticos. Este relatório analisou os produtos vendidos em lojas polacas, italianas, espanholas e alemãs e os resultados foram críticos em todos os locais.

No que diz respeito a Portugal, em março de 2024, o programa A Prova dos Factos (RTP1) levantou também questões relacionadas com o uso destes medicamentos na indústria avícola. Segundo a reportagem, a DGAV afirma que, em 2023, 95% dos animais de explorações de frango no país foram submetidos a algum tipo de medicação, e que quase 1 em cada 3 precisou da administração de antibióticos. 

A importância do consumo

O aumento da produção intensiva de produtos de origem animal tem gerado sérias ameaças à saúde pública, incluindo o aumento das zoonoses e pandemias e a resistência antimicrobiana.

Adoptar uma dieta de base vegetal é uma solução para reduzir a exploração intensiva de animais, que é impulsionada pelo consumo excessivo de carne e derivados, e, por conseguinte, os riscos de futuras pandemias e a resistência antimicrobiana.

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