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Dieta Carnívora e os Perigos para a Saúde

A presente análise é uma resposta ao artigo intitulado 'A Nova Dieta da Carne Vermelha', publicado recentemente na edição semanal da revista Sábado, correspondente ao período de 28 de novembro a 4 de dezembro de 2024. Este artigo da Sábado apresenta lacunas significativas, tanto na especificidade quanto na abordagem de temas essenciais, ao negligenciar os riscos associados ao consumo excessivo de carne. Assim, procurou-se corrigir informações equivocadas, fornecer evidências científicas atualizadas e fomentar um debate mais consciente e equilibrado sobre a relação entre alimentação, saúde e sustentabilidade.
os perigos da dieta carnivora

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O artigo da revista Sábado começa com uma informação verdadeira: as carnes de origem animal são fontes concentradas de nutrientes. Contudo, não especifica quais nutrientes, algo que merece esclarecimento. Apesar de serem ricas em proteínas e ferro, por exemplo, as carnes também são fontes consideráveis de gorduras saturadas, colesterol e compostos iatrogénicos, estando associadas a riscos para a saúde quando consumidas em excesso. Estes riscos incluem o aumento do colesterol LDL (o colesterol “mau”), elevação da pressão arterial e maior probabilidade de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e alguns tipos de cancro, como o colorretal.

Curiosamente, o artigo afirma que “a mais recente evidência científica mostra que não há associação entre estes alimentos e as doenças cardiovasculares e o cancro”. Esta informação está incorreta uma vez que contraria todos os estudos científicos rigorosos e os órgãos de saúde globais. Um exemplo é o recente artigo da European Society of Cardiology 1, intitulado, em tradução livre, ‘Recomendações dietéticas para prevenção de aterosclerose’.  Esse estudo conclui que “há fortes evidências de redução do risco de aterosclerose com um baixo consumo de alimentos de origem animal e maior ingestão de alimentos vegetais integrais – cereais integrais, frutas, vegetais, leguminosas e frutos gordos”.

A publicação da revista Sábado também fornece informações incompletas ao indicar: “não há nenhum dos chamados nutrientes essenciais (…) que não esteja presente nos produtos de origem animal”. A vitamina C, por exemplo, é praticamente inexistente em produtos de origem animal, e as fibras, hidratos de carbono não digeríveis essenciais para a saúde intestinal, estão presentes exclusivamente nos alimentos vegetais 2.

A ideia de que é “intuitivo” consumir animais porque os seus componentes são semelhantes aos necessários pelos humanos ignora que a maioria dos animais consumidos são herbívoros. Estes animais obtêm a sua composição nutricional, em grande parte, a partir do consumo de plantas

O artigo da revista Sábado cita um estudo baseado numa revisão não sistemática, o que significa que a autora pode ter selecionado apenas os artigos que corroboram a sua narrativa 3. Mesmo assim, o estudo em questão admite que “as consequências a longo prazo da adoção de uma dieta carnívora são desconhecidas” e alerta para potenciais défices de cálcio ao longo do tempo. A revista Sábado é acessível a um público amplo, com diferentes níveis de conhecimento científico, o que reforça a responsabilidade de divulgar informações respaldadas por evidências robustas. Basear uma matéria num estudo com tais características, omitindo as suas limitações, é particularmente preocupante quando se considera que o público-alvo pode incluir leitores leigos no assunto. Essa abordagem compromete a clareza e a responsabilidade na comunicação de temas científicos, tornando-se, assim, uma prática irresponsável.

Relativamente à biodisponibilidade de nutrientes, praticamente nenhum produto animal alcança os 90% de biodisponibilidade referidos no artigo da Sábado. Além disso, existem métodos simples, como a cozedura de alimentos ou a combinação de fontes de ferro e zinco com vitamina C, que aumentam significativamente a biodisponibilidade dos nutrientes em alimentos vegetais 4.

Invocar o argumento de que os humanos eram caçadores ignora que eram principalmente recolectores, uma vez que a caça era um processo trabalhoso e arriscado. Há mais de 10.000 anos, com a adoção da agricultura e da vida em sociedade, houve uma mudança significativa na relação com os alimentos. A agricultura trouxe abundância de cereais, leguminosas e frutas, que passaram a constituir a base da dieta humana. Apesar de o consumo de carne ter desempenhado um papel na evolução, não foi a única nem principal fonte de nutrientes. A capacidade de prosperar deveu-se à diversidade alimentar, que inclui alimentos vegetais acessíveis, seguros e sustentáveis 5. A dieta atual deve refletir escolhas baseadas na saúde, sustentabilidade ambiental e ética, mais alinhadas ao contexto contemporâneo do que aos hábitos ancestrais.

A publicação da revista Sábado afirma também que não há relação entre o consumo de gorduras saturadas e o colesterol e as doenças cardiovasculares, contrariando as recomendações de organizações como a Organização Mundial da Saúde (OMS) 6, a American Heart Association 7,8 e a European Society of Cardiology 1. Além disso, comparar gorduras com açúcar e sugerir que as gorduras são boas porque o açúcar é prejudicial é uma falácia. Ambos devem ser consumidos com a máxima moderação para prevenir impactos negativos na saúde 7.

Por fim, os testemunhos incluídos na publicação da revista Sábado não devem ser usados como base para orientar o público, pois são marcados por viés de seleção. Apenas foram entrevistadas pessoas que relataram benefícios com a dieta carnívora, e apenas por curtos períodos. Não há registo de quem não se tenha adaptado, nem acompanhamento prolongado para verificar se os benefícios são duradouros.

A Proveg Portugal reforça que uma dieta equilibrada e baseada em alimentos vegetais é mais saudável e sustentável a longo prazo, alinhando-se com as diretrizes de saúde globais. Destaca-se que o consumo excessivo de gorduras saturadas, comum em dietas carnívoras, está associado ao aumento do risco de doenças cardiovasculares. Em contrapartida, dietas ricas em alimentos vegetais promovem benefícios, como a redução do colesterol, melhor controlo glicémico e menor incidência de doenças crónicas.

A dieta carnívora pode levar à ausência de nutrientes cruciais, como fibras, vitamina C e antioxidantes, essenciais para a saúde. A ProVeg Portugal defende uma abordagem alimentar holística, considerando não apenas a saúde individual, mas também os impactos ambientais e éticos, incentivando uma transição gradual para uma alimentação mais consciente e diversificada.

Texto da autoria de Maria Julia C. Rosa (Nutricionista (IPA) CRN2 14630), com revisão técnica de Lucas Oliveira (Nutricionista, CP 5897N).

Referências:

  1. Riccardi, Gabriele, et al. “Dietary recommendations for prevention of atherosclerosis.” Cardiovascular research 118.5 (2022): 1188-1204.
  2. Oliveira, Luísa, and Maria da Graça Dias. “Atualização da Tabela da Composição de Alimentos.” 11. ª Reunião Anual PortFIR-“Partilhar e Cooperar para uma Alimentação Saudável”, INSA, 25-26 out 2018 (2018).
  3. O’Hearn, Amber. “Can a carnivore diet provide all essential nutrients?.” Current Opinion in Endocrinology, Diabetes and Obesity 27.5 (2020): 312-316.
  4. Slywitch, Eric. Guia de Nutrição Vegana para Adultos da União Vegetariana Internacional (IVU). Departamento de Medicina e Nutrição. 1ª edição, IVU, 2022.
  5. Richerson, Peter J., and Robert Boyd. “Institutional evolution in the Holocene: the rise of complex societies.” Proceedings-British Academy. Vol. 110. Oxford University Press Inc., 2001.
  6. Saturated fatty acid and trans-fatty acid intake for adults and children: WHO guideline. Geneva: World Health Organization; 2023. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO.
  7. Lichtenstein, Alice H., et al. “2021 dietary guidance to improve cardiovascular health: a scientific statement from the American Heart Association.” Circulation 144.23 (2021): e472-e487.
  8. ADVISORY, AHA PRESIDENTIAL. “Dietary Fats and Cardiovascular Disease.” Circulation 135 (2017): 00-00.

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