Por Ben Davidow (autor do livro Thinking Outside the Cage: Leading Farm Animal Advocates on How to Have a Meaningful Impact) e Nick Cooney (autor dos livros Change of Heart e Veganomics)
27 de Fevereiro, 2013
[Este texto refere-se a dados baseados no consumo dos americanos; no final do artigo encontra-se um comentário sobre a situação portuguesa, da autoria do tradutor]
Imagina que estás numa sala de jantar perante uma mesa gigante com um serviço de 100 pratos. Espalhados pelos pratos estão todas as galinhas, vacas e porcos que um americano médio consome num ano. Os americanos consomem muita carne, pelo que os pratos estão apinhados.
Se contares os pratos, vais descobrir que 44 pratos contêm galinhas, 30 contêm vacas e 26 contêm porcos. Dada esta mesa, faz sentido que o nosso movimento coloque aproximadamente igual foco e recursos em vacas, galinhas e porcos, certo?
Errado. Esta mesa representa o peso da carne que os americanos comem, mas não reflecte o número de animais que eles comem.
No lugar da mesa, imagina todos os animais vivos que foram criados e mortos para produzir aquela carne. Olhando para este conjunto de animais, tu notas algo estranho: existe uma grande massa de galinhas e apenas ocasionalmente uma vaca ou um porco aparecem no cenário. Onde é que estão todos os porcos? Onde é que estão todas as vacas?
Como as galinhas são tão mais pequenas que porcos e vacas, muitas mais delas têm que ser mortas para produzir a mesma quantidade de carne. Para obter a mesma quantidade de carne que pode ser obtida a partir de uma vaca (ou quatro porcos), mais de 200 galinhas têm de ser mortas. Este é o porquê de as pessoas, apesar do facto de comerem quase tanta carne de porco e vaca como comem de galinha, comerem muitas, muitas mais galinhas do que vacas ou porcos.
Para os activistas pelos animais de quinta, o que realmente interessa não é a quantidade de carne que é consumida mas o número de animais que são magoados e a quantidade de sofrimento causado. Os esforços de divulgação do nosso movimento, no entanto, estão baseados maioritariamente na ilusória mesa de jantar: nós tendemos a direcionar os nossos recursos de acordo com a regularidade com que os animais são consumidos e não de acordo com quantos são consumidos.
E o problema não é apenas que um grande número de galinhas são mortas. As galinhas também têm que suportar mais dias de sofrimento do que qualquer outro animal de quinta, com excepção de alguns peixes de aquacultura. Obtemos estes dados multiplicando o número de animais que são comidos com o tempo que cada um vive e sofre em quintas industriais. As galinhas também sofrem um tratamento particularmente cruel em quintas industriais.
Quando fazemos divulgação do vegetarianismo sem considerar o sofrimento relativo causado por diferentes produtos de origem animal, estamos a fazer bowling com vendas: nós não sabemos para onde apontar e o nosso sucesso vai ser limitado. É hora de remover as vendas e derrubar a maior quantidade de crueldade animal que conseguirmos.
Se olharmos para os animais de quinta como indivíduos e se quisermos que o maior número possível de indivíduos seja protegido de crueldade, então devemos focar-nos primeiro em fazer o público parar de comer galinhas. Ter esse foco vai permitir-nos salvar mais vidas e poupar mais sofrimento.
Considera, por exemplo, que fazer com que alguém simplesmente corte o seu consumo de galinha em metade evita uma vida de miséria a 14 animais por ano. Se alguém parasse totalmente de comer galinhas, evitaria uma vida de miséria a 28 animais por ano.
No mínimo, os nossos esforços de divulgação devem focar-se maioritariamente nas galinhas. Devemos dizer às pessoas que a primeira e mais importante coisa que elas podem fazer para ajudar os animais de quinta é eliminar ou diminuir o consumo de galinhas.
Comentário do Tradutor: Situação de Portugal
Em Abril do ano passado, o Instituto Nacional de Estatística publicou o documento Balança Alimentar Portuguesa, onde são analisadas as “disponibilidades alimentares” em Portugal, constituindo estas “uma forma indirecta de caracterização do consumo alimentar”.
A partir dos dados deste estudo, se adaptarmos o cenário inicial do texto à situação portuguesa, dos mesmos 100 pratos, 40 seriam de galinhas e peru (o estudo não distingue as duas aves), 38 de porco e 22 de vacas. Parece que o cenário é ligeiramente melhor para as galinhas em Portugal do que é nos Estados Unidos, ainda mais se tivermos em conta que alguns dos 40 pratos são de peru. No entanto a ideia transmitida no texto mantém-se: o elevado consumo de galinhas deve ser também o alvo dos defensores dos animais portugueses.
Além disso, segundo o estudo, apesar de o consumo de carne de vaca e de porco ter diminuído em 13,8 g/hab/dia entre 2008 e 2012, o consumo de aves de capoeira aumentou 3,9 g/hab/dia. Tendo em conta que as galinhas e os perus são bem mais pequenos que porcos e vacas, ao todo o número de animais mortos para consumo deve ter aumentado apesar da descida geral no consumo de carne (1). Isto enfatiza ainda mais a necessidade de nos focarmos nas galinhas/aves de capoeira: não queremos que no nosso país a tendência seja a de um aumento de indivíduos mortos para alimentação.(2)
Quero ainda apontar que sendo Portugal um país com um consumo elevado de peixe (em 2012 consumiu-se 47,2 g/hab/dia de peixe, mais do que se consumiu de carne de bovi
no) e tendo em conta a possível capacidade de sofrimento (3) destes animais e o seu pequeno tamanho, o nosso activismo também se deve focar neste grupo de seres vivos.
A conclusão a retirar destas reflexões é que em Portugal devemos gastar os nossos recursos a convencer as pessoas a parar de consumo de aves e peixes. Esta é uma das razões pelas quais temos de ter cuidado com o argumento da saúde, que pode fazer mais mal do que bem. Acredito que nos devemos focar na capacidade de sofrimento destes animais e no sofrimento a que são realmente sujeitos para vir parar aos nossos pratos.
(1) Precisaria de mais dados para fazer cálculos mais exactos. Críticas à minha conclusão são bem-vindas.
(2) Também é de notar que em Portugal também se consome mais porco comparativamente a vacas do que nos Estados Unidos, o que também se traduz numa maior quantidade de sofrimento.
(3) Para uma discussão académica sobre a capacidade de sofrimento dos peixes ler “The Neurobehavioral Nature of Fishes and the Question of Awareness and Pain” de Rose e “Can fish suffer?: perspectives on sentience, pain, fear and stress” de Chandroo e colegas. Para ler mais sobre os peixes ler esta e esta página da AVP.
Tradução e comentário e notas: Luís Campos
Artigo traduzido com permissão dos autores
Original: http://ccc.farmsanctuary.org/bowling-without-blindfolds-how-we-can-knock-down-the-most-animal-suffering/