Os criadores de tecnologias de carne cultivada em laboratório estão convencidos de que os seus produtos serão mais seguros e mais amigos do ambiente do que a carne convencional. Isto, sem falar dos resultados positivos para o bem-estar dos animais de criação. Para os defensores dos animais, a promessa parece ser uma “dádiva” – em teoria, a carne cultivada em laboratório poderia reduzir dramaticamente a quantidade de sofrimento. E fazer isto sem necessidade de convencer os consumidores de carne a mudar as suas dietas? Venha de lá isso!
Desde a famosa apresentação do hambúrguer de laboratório de Mark Post, em 2013, que o preço elevado de 325 000 dólares por hambúrguer se foi reduzindo significativamente. O mesmo grupo de investigação afirma ter reduzido esse valor em apenas dois anos. De qualquer modo, ainda ninguém conseguiu dominar a produção de carne de laboratório a baixo custo e em grande escala até à data.
Uma análise tecno-económica recentemente publicada, encomendada pela Open Philanthropy, analisou a probabilidade de conseguirmos substituir uma quantidade significativa de carne convencional com análogos cultivados em laboratório, num futuro próximo.
O estudo foi baseado em perspectivas tecnológicas de fermentação industrial e, a montante, nos sectores bio farmacêuticos, para avaliar a quantidade de culturas de células animais que poderiam ser dimensionadas como um processo de fermentação.
Embora várias tecnologias de bioprocessos microbianos, tais como a produção de bioetanol ou o tratamento de águas residuais, tenham sido ampliadas com sucesso nas últimas décadas, a caminhada em direcção à cultura de células animais em laboratório continua a ser difícil. As características típicas dos principais desafios nas operações de cultivo de carne em laboratório incluem:
- Baixa taxa de crescimento celular;
- Pequenos volumes de biorreatores;
- Baixas densidades finais de células;
- As densidades celulares são severamente limitadas pela inibição da catabolite;
- Os constituintes dos meios de crescimento de alta qualidade têm disponibilidade limitada;
- Assegurar uma operação asséptica aumenta significativamente os custos de capital;
- É necessário um grande progresso na engenharia metabólica;
- A proposta de valor difere muito da de, por exemplo, produtos farmacêuticos, cujos preços de venda podem ser tão altos como > 10 milhões de dólares/kg (a carne fresca de bovino vende-se por ~$13/kg).
Foram várias as barreiras identificadas pela análise, indicando que será necessário um grande esforço de engenharia para abordar de forma significativa qualquer uma das características mencionadas. Contudo, a investigação e desenvolvimento de algumas, ou de todas elas, é um imperativo para que o sucesso da expansão da cultura de células animais em laboratório aconteça.
O autor conclui que é fundamental a concentração na melhoria da eficiência metabólica celular e no desenvolvimento de meios de crescimento de baixo custo, a partir de proteínas vegetais hidrolisadas. No entanto, mesmo que a ciência dê saltos no progresso destas duas áreas, a produção rentável de carne em laboratório ainda está longe de ser uma realidade.
Uma instalação modelada de 24 biorreatores, cada uma com 20 metros cúbicos, poderia produzir quase 7 mil toneladas de massa celular húmida por ano, com um custo de produção de 37 dólares/kg.
Para colocar esta produção de “grande” escala em perspectiva, a actual produção global de alternativas de carne de origem vegetal está em cerca de 100 mil toneladas, enquanto a produção global de carne convencional pode atingir as 320 milhões de toneladas.
Na análise apresentada, o único cenário em que o custo de produção desceu abaixo do limiar de 25 dólares/kg foi aquele em que se utilizou uma fonte de aminoácidos baratos, provenientes do hidrolisado de proteína de soja dos EUA.
Contudo, a adequação deste material é ainda especulativa – um aumento na utilização deste produto, para a produção de carne de laboratório, poderia criar concorrência para a sua utilização noutras áreas da agricultura e, por conseguinte, aumentar o seu preço. A redução dos custos de produção de células é crucial, uma vez que haverá custos adicionais a suportar ao colocar o produto no mercado.
As etapas de processamento da cultura de tecidos a jusante, tais como a aromatização e a moldação, serão necessárias para tornar os produtos palatáveis – tudo com custos adicionais.
A análise também sugere que várias inovações propostas nesta área, tais como os biorreactores de utilização única, o cultivo de células de animais de sangue-frio, ou o foco na proteína unicelular, não são tão promissoras como inicialmente pareciam ser.
As questões correspondentes incluem, respectivamente, a incompatibilidade com a produção de grande escala, nenhuma melhoria significativa na economia e a limitada adopção no mercado de proteínas unicelulares não animais, até à data.
Embora os defensores dos animais tenham certamente ficado entusiasmados com as perspectivas – e encorajados pelos CEO’s e pelas empresas que anunciam os seus produtos como iminentes –, parece que a carne cultivada em laboratório tem um longo caminho a percorrer para transcender o estatuto de iguaria exclusiva.
No entanto, devemos fazer uso das oportunidades para tornar a carne convencional mais cara. Afinal de contas, os aumentos dos preços do petróleo bruto e os incentivos pró-ambientais contribuíram para o crescimento da investigação sobre biocombustíveis.
Quem sabe, através de um esforço colectivo para que os subsídios aos criadores de animais acabem e com a introdução de um imposto climático sobre a carne, consigamos diminuir a monumental diferença que, actualmente, existe entre os preços das carnes convencionais e as carnes cultivadas em laboratório.
Adaptado da página Faunalytics
Traduzido por Ana Luísa Pereira