O artigo da Deco Proteste intitulado «Bebidas vegetais – leite que não é leite» mereceu a atenção da parte da AVP, e pretendemos esclarecer através deste breve comentário a comparação destas bebidas com o leite de vaca, de uma perspetiva nutricional, e o impacto do seu consumo ao nível da sustentabilidade ambiental.
As bebidas vegetais (vulgarmente chamadas de “leite” de soja, amêndoa…), correspondem a extratos de leguminosas, oleaginosas e cereais, que procuram mimetizar o leite de vaca na sua aparência, e uso. Aspetos como preferências e restrições individuais (ex. alergias, intolerâncias) podem motivar alguns consumidores a optar por estas alternativas, mas, na escolha, concordamos que é imprescindível considerarmos a qualidade nutricional, a segurança, o sabor e o impacto ambiental.
Na introdução do artigo, é transmitida a ideia de que da ausência do consumo de leite, e da opção pelo consumo de uma bebida vegetal, surge “a falta de nutrientes”, que deve ser compensada. Ora, não existe nenhum alimento que seja verdadeiramente insubstituível, sendo possível satisfazer as necessidades nutricionais do indivíduo adulto saudável com uma variedade de outros alimentos, desde que bem planeadas, ou seja, considerando a quantidade fornecida, e o seu aproveitamento nutricional (biodisponibilidade). Na tabela 1 poderá encontrar alguns nutrientes providos pelo leite e exemplos de outras fontes alimentares.
Nutriente | Fontes alimentares |
Proteína | Leguminosas, produtos à base de soja (ex. tofu, tempeh, bebida de soja), seitan, pseudo-cereais (quinoa, amaranto e trigo sarraceno), frutos oleaginosos, e sementes |
Cálcio | Hortaliças, leguminosas, sementes (sésamo, chia…), frutos oleaginosos (amêndoa) e alimentos fortificados (ex. tofu, bebidas vegetais, cereais de pequeno-almoço) |
Fósforo | Leguminosas, sementes (girassol e abóbora), frutos oleaginosos (caju), cereais integrais |
Zinco | Leguminosas, sementes e frutos oleaginosos, e cereais integrais (aveia) |
Iodo | Sal iodado e algas |
Vitamina B2 | Levedura nutricional, alimentos fortificados (cereais de pequeno-almoço, e bebidas vegetais), frutos oleaginosos (amêndoa), cogumelos, leguminosas (soja), cereais integrais, hortícolas (espinafres) |
Vitamina B12 | Alimentos fortificados: levedura, bebidas vegetais, cereais de pequeno-almoço e produtos substitutos de carne; e suplementos |
Um dos nutrientes em que se verifica maior inadequação na ingestão, na população portuguesa (maior proporção da população abaixo das necessidades médias), é o cálcio, embora se verifique um consumo médio de cerca de 254 g/dia de alimentos derivados do leite, dos quais em média 167 g/dia são de leite.1 Ou seja, é importante dar a conhecer outras fontes alimentares, e repor o fornecimento de cálcio através das bebidas vegetais para quem as consome, que geralmente são enriquecidas com este mineral, numa quantidade equivalente à presente no leite de vaca (sendo necessária a confirmação no rótulo).
Apesar desta vantagem da fortificação em minerais e vitaminas específicos, e da oferta ter evoluído consideravelmente nos últimos anos, com o surgimento de produtos com teor reduzido (ou isento da adição) de açúcar, para além de um leque cada vez maior de sabores-base (alguns dos quais enfatizam a presença de leguminosas, como a ervilha), respondendo às necessidades dos consumidores mais exigentes, é importante destacar que o perfil nutricional destas bebidas não é equivalente ao do leite de vaca. Para quem procura um substituto com um bom valor nutricional, a exceção é a bebida de soja que, conforme demonstrado na tabela 2, tem um conteúdo equivalente de proteína (de boa qualidade), gordura, energia, e em alguns nutrientes, resultantes da fortificação, como o cálcio, vitamina B2 e B12. Acreditamos que neste ponto – o valor nutricional equiparável da bebida de soja – o artigo passou a mensagem de que todas as bebidas vegetais têm um valor nutricional inferior, e queremos alertar para o facto de existirem diferenças evidentes entre as bebidas e, em contextos em que faz sentido um substituto do leite, existe uma alternativa de maior qualidade nutricional, como a bebida de soja não açucarada e devidamente enriquecida.
A relevância da escolha da bebida de soja, em detrimento de outras, dependerá de fatores individuais, sendo que, por exemplo, o seu conteúdo em proteína torna-a uma melhor opção na infância, gestação ou lactação, dada a sua exigência em termos de necessidades nutricionais, nos idosos, ou no caso de indivíduos com maior nível de atividade física.
Por 100 g | Leite de vaca UHT meio-gordo | Bebida de soja, não açucarada, fortificada |
Valor Energético (kcal) | 47 | 36 |
Proteína (g) | 3,3 | 3,7 |
Lípidos (g) | 1,6 | 2,2 |
– Dos quais saturados (g) | 0,9 | 0,4 |
Hidratos de carbono (g) | 4,9 | 0,4 |
– Dos quais açúcares (g) | 4,9 | 0,2 |
Fibra (g) | 0 | 0,3 |
Cálcio (mg) | 112 | 120 |
E quanto ao impacto ambiental da produção destas alternativas?
As preocupações atuais associadas à sustentabilidade dos sistemas alimentares, e dos padrões alimentares das populações, justificam a importante análise feita no artigo em relação ao impacto ambiental do consumo de leite de vaca e das bebidas vegetais.
O principal aspeto a ser evidenciado na análise da Deco Proteste foi o maior consumo de água associado ao cultivo e produção da bebida de amêndoa; de acordo com os dados apresentados pela DECO, para produzir 1 litro de bebida, são necessários 562.27 L de água no caso da bebida de amêndoa, 40.39 L no caso do leite de vaca, e 2.13 L de água no caso de bebida de soja.
Contudo, dados do Our World In Data parecem contrariar os dados nomeados pela DECO; de acordo com uma revisão de vários estudos, a quantidade de água necessária para produzir 1 litro de bebida é 371,46 L e 628.2 L, no caso de bebida de amêndoa e leite de vaca, respetivamente, ou seja, quase o dobro da pegada hídrica.
Consideramos ser imperativo evidenciar o menor impacto ambiental (emissão de gases com efeito de estufa, consumo de água, e uso de solo) da generalidade das bebidas vegetais, tais como as bebidas de coco, soja e aveia, em relação ao leite de vaca; até mesmo a bebida de amêndoa evidencia um impacto ambiental menor em vários parâmetros analisados, como o uso de solo e emissões de gases com efeito de estufa, apenas sendo penalizada no que toca à sua pegada hídrica, comparativamente com outras bebidas vegetais.
Para terminar, considerou-se importante a análise completa realizada pela Deco Proteste em termos da revisão da conformidade dos rótulos com as exigências legais, a aferição da presença de toxinas, e até mesmo a avaliação sensorial, e do custo. Estes últimos pontos podem ser particularmente relevantes para os consumidores que receiam experimentar produtos novos pela possibilidade de não gostarem e, numa altura em que o orçamento familiar disponível para a alimentação possa estar mais contido, é importante verificar que há alternativas com um sabor consensualmente aprazível, e cujo preço é acessível.
Artigo da autoria de Márcia Gonçalves (3726N), autora do blog Compassionate Cuisine.
Referências:
1. Lopes C, Torres D, Oliveira A, Severo M, Alarcão V, Guiomar S, Mota J, Teixeira P, Rodrigues S, Lobato L, Magalhães V, Correia D, Carvalho C, Pizarro A, Marques A, Vilela S, Oliveira L, Nicola P, Soares S, Ramos E. Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, IAN-AF 2015-2016: Relatório de resultados. Universidade do Porto, 2017. ISBN: 978-989-746-181-1. Disponível em: www.ian-af.up.pt.