26 DE JANEIRO DE 2024
Exmo. Sr. Primeiro Ministro,
Esperamos que esta Carta o encontre bem.
Dirigimo-nos a Vossa Excelência considerando uma crescente preocupação com a sustentabilidade ambiental, implicações climáticas e problemáticas da saúde pública, atualmente associadas ao sistema alimentar português.
A presidência da COP28 colocou a transformação dos sistemas alimentares na agenda global das alterações climáticas, tendo mais de 150 líderes mundiais assinado a Declaração dos Emirados sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática. Tudo isto para atingir os objetivos do Acordo de Paris, adotado em 2016, que estabelece uma meta global de manter o aumento da temperatura média mundial abaixo de 2 °C, bem como de envidar esforços para limitá-lo a 1,5 °C em relação aos níveis pré‐industriais.
Por isso, apelamos para que, em Portugal, o sistema alimentar seja verdadeiramente colocado em cima da mesa quando o tema são as alterações climáticas.
Em Portugal, o sistema alimentar contribui com 31 % para o total de emissões nacionais de gases de efeito de estufa (GEE), semelhante à média da União Europeia (30 %), e o consumo alimentar representa cerca de 30 % da pegada ecológica nacional, mais do que os transportes e o consumo energético. Tudo isto torna a alimentação um dos principais contribuintes para o aquecimento global, o que não pode ser ignorado.
A intensificação da atividade agrícola, marcada pelo uso sistemático de pesticidas, de fertilizantes e pela expansão da pecuária, pode causar impactos ambientais significativos, prejudicando a biodiversidade e os ecossistemas naturais. A indústria pecuária, em particular, desempenha um papel substancial nas mudanças climáticas, sendo responsável por aproximadamente 60 % das emissões associadas ao sistema alimentar e entre 14,5 % e 20 % das emissões totais de GEE.
Numa altura em que testemunhamos a implementação de planos nacionais e medidas, em países como Dinamarca, Coreia do Sul e Alemanha, que promovem a produção local e o consumo de alimentos de base vegetal, perguntamos: Porque não segue Portugal o mesmo caminho, já que se reconhece que tais iniciativas são fundamentais para enfrentar os desafios climáticos, económicos e de saúde?
As preferências do consumidor, em Portugal, estão cada vez mais voltadas para opções alimentares ambientalmente conscientes, o que tem contribuído para um maior consumo de alimentos e refeições de base vegetal. No nosso país, verificou-se que, entre 2018 e 2022, aumentou a importância dada a refeições de base vegetal, tendo-se observado um ligeiro incremento na média semanal de refeições sem carne nem peixe, de 1,95 para 2,23. Por sua vez, o mercado nacional de alimentos de base vegetal assistiu a um crescimento de 20 %, nas vendas, entre 2020 e 2022.
Vivemos uma era em que os produtores de carne mais convencionais estão a entrar no mercado de alternativas de base vegetal, devendo os decisores políticos incentivar este avanço e reconhecer os benefícios que estas alternativas podem ter para o ambiente, ecossistemas e respetiva utilização sustentável de recursos naturais, resultando em potenciais vantagens para a saúde pública. ,
A produção de leguminosas, em particular, pode ter um impacto positivo na agricultura, porque melhora a estrutura e fertilidade do solo e pode contribuir para a diversificação de culturas, redução da utilização de energias fósseis e diminuição de GEE (através de um menor uso de fertilizantes). Também requer menos água relativamente à produção de outras fontes de proteína. No entanto, Portugal produz apenas 18,6 % das leguminosas que consome.
Na Europa, a agricultura foi a principal fonte de amónia e metano em 2020, responsável por 94 % e 56 % das emissões poluentes totais, respetivamente.
Em Portugal, segundo o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (serviço central de Administração direta do Estado português), a agricultura é a principal responsável por emissões de óxido nitroso, que tem como origem principal a aplicação de efluentes animais ao solo e o uso de fertilizantes azotados, e de metano, que dependem essencialmente do efetivo animal, já que derivam sobretudo da fermentação entérica e da gestão dos efluentes animais.
E o que é o metano? É um poderoso GEE, responsável pelo aumento de 0,5 °C na temperatura média global desde a era pré-industrial (para comparação, o valor do dióxido de carbono é de 0,8 ºC). O potencial de aquecimento global do metano, em 20 anos, é 81 vezes maior que o do dióxido de carbono. Para limitar o aquecimento global a 2 °C (o que já implica ultrapassar o limite de 1,5 °C), as emissões globais de metano teriam de ser reduzidas para metade até 2040. Ou seja, é crucial que exista uma real redução no consumo de carne, o que não se verifica em Portugal, onde o consumo de carne é superior ao recomendado na Roda dos Alimentos, tendo-se registado aumentos per capita desde 2020, e sendo Portugal o 14 º país, do mundo, com maior disponibilidade anual de carne per capita.
Assim, apelamos para que o Governo Português crie um plano nacional de promoção à proteína vegetal. Desta forma, estará a atuar perante a evidência científica, precavendo-se de ficar para trás numa altura em que movimentos globais pela transformação alimentar reconhecem que aquilo que produzimos e comemos impacta as alterações climáticas.
Assumimos que Vossa Excelência está ciente do projeto Proteína Verde e do Plano Nacional de Promoção à Proteína Vegetal, após uma audiência com a Comissão de Agricultura e Pescas, em 2023. Este Plano pode ser uma ferramenta útil para a desejada transição proteica nacional, alinhando Portugal com esforços globais para sistemas alimentares mais sustentáveis.
Assim, apelamos para que o Governo Português implemente um plano que promova a proteína vegetal, nomeadamente alimentos de base vegetal saudáveis e sustentáveis, que seja transversal ao Ministério da Agricultura, Saúde e do Ambiente, sistémico e transparente, integrando-o nas medidas nacionais pela descarbonização, e recorrendo ao fundo ambiental e climático para o efeito. Propomos que sejam consideradas as seguintes medidas, a par do que está a ser feito noutros países:
1. Criar um Fundo Nacional para Alimentos de Base Vegetal, que permitiria a produtores, empresas, universidades e outras entidades candidatarem-se a apoios financeiros para produção e desenvolvimento de alimentos sustentáveis e saudáveis. 2. Alívio fiscal para todas as leguminosas (e derivados saudáveis), hortícolas e frutas, em linha com as metas de sustentabilidade do sistema alimentar e promoção da saúde pública. 3. Promover circuitos curtos de produção e abastecimento alimentar e a produção local de leguminosas, incentivando, desta forma, a uma maior autossuficiência deste alimento, em Portugal. 4. Investir em pesquisa e desenvolvimento para o setor base vegetal, permitindo o incremento da produção de alimentos vegetais mais sustentáveis e uma maior promoção da agrobiodiversidade em Portugal. 5. Alocar verbas para sessões de formação aos chefs de cozinha das cantinas públicas escolares, objetivando uma maior oferta e melhor preparação de refeições de base vegetal nestes refeitórios. 6. Promover o consumo de alimentos de base vegetal, em particular fontes de proteína de base vegetal, saudáveis e sustentáveis, via programas de saúde prioritários, diretrizes oficiais e coordenação com profissionais de saúde. |
Portugal, como signatário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, está comprometido a investir cerca de 85 mil milhões de euros na transição climática ao longo das próximas duas décadas. Prevê, igualmente, agir no âmbito do Programa Temático para a Ação Climática e Sustentabilidade — Sustentável 2030. É imperioso que o sistema alimentar seja considerado em todas as medidas de ação climática.
Uma parte substancial desses fundos deve ser dirigida para promover um sistema alimentar que favorece a produção local e sustentável de proteínas vegetais, bem como a investigação e disponibilidade das mesmas, com consequente aumento do consumo de alimentos de origem vegetal.
Dada a urgência da crise climática e as crescentes preocupações com a segurança alimentar global, apelamos a Vossa Excelência para que assuma a liderança nesta questão crucial. Implementar um plano nacional de promoção à proteína vegetal não apenas alinhará Portugal com as melhores práticas globais, mas também enviará uma mensagem forte sobre o compromisso do país em enfrentar desafios globais de maneira proativa.
Entendemos que a implementação de tais medidas requer esforços coordenados entre o setor público, o setor privado e organizações não governamentais. Estamos dispostos a colaborar e apoiar as iniciativas que visem tornar Portugal um exemplo na promoção de proteína vegetal.
Assinar Carta Conjunta AQUI
Organizações promotoras e signatárias principais:
- ANP – Associação Natureza Portugal em associação com a WWF – World Wide Fund for Nature
- ASPEA – Associação Portuguesa de Educação Ambiental
- Associação Alimentar Cidades Sustentáveis
- AVP – Associação Vegetariana Portuguesa
- GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente
- Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
- ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável