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Leguminosas na Transição Proteica: Clima, Ambiente e Saúde

O sistema alimentar tem impactos significativos na saúde, no ambiente e no clima, destacando-se a produção e o consumo de alimentos como grandes emissores de gases de efeito estufa (GEE) e utilizadores intensivos de recursos naturais. Com a população mundial prevista para alcançar os 10,4 bilhões em 2100, a procura por alimentos aumentará, pressionando ainda mais os sistemas alimentares. Dietas pouco saudáveis são responsáveis por doenças crônicas e o atual modelo de produção alimentar não é sustentável. Em Portugal, a elevada pegada ecológica alimentar e as emissões de GEE estão fortemente ligadas ao consumo excessivo de carne. Para mitigar esses impactos, é crucial promover uma transição proteica para fontes vegetais e alternativas aos produtos de origem animal. Este artigo explora a situação de produção e consumo alimentar e como as leguminosas podem ser parte da solução.
Leguminosas na Transição Proteica Clima, Ambiente e Saúde

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O sistema alimentar impacta diversos domínios, como saúde, ambiente e clima. Em particular, uma das principais consequências da atual produção e consumo alimentar prende-se com as emissões de GEE e o elevado uso de recursos naturais, desafiando a biocapacidade. Prevê-se que a população mundial atinja os 10,4 mil milhões em 2100, o que levará a um aumento na procura global de alimentos. 

Diversos estudos defendem que a forma como produzimos e consumimos alimentos não é sustentável ​​para a saúde humana e planetária, sendo que uma dieta pouco saudável é um dos principais factores de risco para uma série de doenças crónicas, incluindo doenças cardiovasculares, cancro, diabetes e outras condições ligadas à obesidade, a o sistema alimentar é responsável ​​por 21-37% das emissões de GEE, maioritariamente devido às emissões associadas à produção de alimentos de origem animal.

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Em Portugal, onde o consumo alimentar corresponde a 29% da pegada ecológica (superando o consumo energético e os transportes), as emissões de GEE per capita associadas à produção e comércio alimentar são as maiores da Europa, perfazendo 610 kg CO2-eq. cap-1 yr-1. Um dos motivos para isto é o elevado consumo de carne em Portugal, quatro vezes acima do recomendado, de acordo com a Balança Alimentar Portuguesa para 2016-2020, sendo que metade da pegada ecológica alimentar se deve ao consumo de carne e peixe. Acresce que comer carne regularmente aumenta o risco de desenvolvimento de doenças cardíacas, diabetes, pneumonia e outras doenças graves.

Para atenuar o impacto do elevado consumo de produtos de origem animal, é necessário que políticas públicas e hábitos de consumo reconheçam a necessidade de uma transição proteica e que é possível ingerir níveis adequados de proteína por via de fontes de base vegetal, salientando-se a importância das leguminosas (e respetivo derivados) para a sustentabilidade a vários níveis. 

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Leguminosas: Benefícios para o Ambiente e Economia Local

As leguminosas podem ter vários efeitos positivos no ambiente e na qualidade do solo, bem como no rendimento agrícola. Podem ser incluídas em vários tipos de cultivo, como em rotação e consociação, ajudando a manter a fertilidade do solo por via do fornecimento de azoto, uma vez que estabelecem relações simbióticas entre as suas raízes e bactérias fixadoras de azoto presentes no solo. Este processo reduz a necessidade de uso de fertilizantes azotados e ajuda a melhorar os rendimentos da próxima colheita, algo benéfico em termos económicos e ambientais. 

Como cerca de 60% das emissões de óxido nitroso, um GEE com elevado potencial de aquecimento, provêm da aplicação de fertilizantes azotados, as leguminosas contribuem para a redução de GEE. Estima-se que cerca de 1 kg de azoto seja emitido como óxido nitroso para cada 100 kg de fertilizante azotados. 

Adicionalmente, as leguminosas, incluindo soja e produtos derivados (como tofu), podem ser alternativas proteicas aos produtos de origem animal, que estão fortemente associados à fermentação entérica que, por sua vez, contribui para elevados níveis de metano, um poderoso gás de efeito estufa.

Em Portugal, tanto o metano como o óxido nitroso têm origem principalmente nos setores da agricultura e dos resíduos, sendo que estes gases correspondem a 18% e 6% das emissões nacionais, respetivamente. Medido ao longo de um período de 20 anos, o metano é 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono em termos de aquecimento global, enquanto o óxido nitroso é 280 vezes mais potente.

Dentro das várias espécies existentes de leguminosas, encontram-se opções com diferentes características, com ampla diversidade genética, que permitem a adaptação a solos de natureza distinta, tais como culturas adaptadas a solos mais ácidos, como o tremoço, outras a solos mais básicos como a fava e o grão-de-bico, e outras com uma ampla capacidade de adaptação, como as lentilhas. A diversificação das espécies selecionadas assim como a proteção da biodiversidade de uma região é de extrema importância para preservar os sistemas agrícolas e aumentar consideravelmente as hipóteses destes de se adaptarem às alterações climáticas. As leguminosas, dada a sua resiliência e capacidade de adaptação, têm um papel fundamental no ecossistema e nos serviços prestados pelas mesmas.  

As leguminosas também são altamente eficientes em termos de utilização de água; para cada grama de proteína, a pegada hídrica global média das leguminosas é apenas 34% da da carne suína e 17% da da carne bovina.

Para explorar um pouco mais o perfil das diferentes leguminosas, selecionamos quatro: tremoços, favas, ervilhas e grão-de-bico. 

Tremoço (Lupinus albus L.)

O tremoço é um alimento rico e versátil, mas que se tornou subjugado à monotonia. Reconhecido em Portugal mormente enquanto petisco e sendo chamado, por alguns, de “marisco dos pobres”, foi relegado a um papel que não lhe serve. Até ao século XX, era a fonte proteica para ultrapassar carências energéticas de maus anos agrícolas e, culturalmente, tornou-se num símbolo de vários festivais dedicados ao tremoço. O tremoço tem um elevado valor proteico, rondando os 16% da sua composição, o que corresponde a cerca de duas vezes mais do que o feijão, ou seja, cerca de 16,4 gramas de proteína por 100 gramas de alimento.

Favas (Vicia faba L.) 

Igualmente bem conhecidas dos portugueses, as favas figuram na gastronomia nacional, pelo menos desde o século XV. São dos cultivos mais antigos no mundo e são especialmente adaptados e cultivados no Mediterrâneo e na América do Sul. Estas, entre outras leguminosas, vieram substituir a castanha e a bolota, podendo ser consumidas frescas (ao invés de secas ou curadas). Culturalmente, o nosso léxico é rico em relação a esta leguminosa: desde expressões como “são favas contadas” até ao facto do bolo-rei natalício poder conter uma fava surpresa. Com cerca de 8% de proteína, estão ao nível dos feijões e do grão-de-bico, em termos de valor proteico. São de fácil produção, caracterizando-se pela sua capacidade de adaptação aos solos do território português. A cultura da fava em Portugal apresenta, assim, grande adaptabilidade biogeográfica, podendo esta ser cultivada desde o nível do mar e até mesmo em altitudes elevadas. Para além disso, é um alimento também ele versátil e pode ser utilizado numa grande variedade de pratos gastronómicos.

Ervilhas (Pisum sativum L.) 

A ervilha verde (Pisum sativum L.) é uma das leguminosas com melhor adaptação às condições do inverno português, sendo das mais cultivadas e com maior importância comercial não só em Portugal como em todo o mundo. As vagens verdes são usadas como adubo verde e as ervilhas secas são usadas na alimentação humana. As primeiras referências históricas que se conhecem da ervilha em Portugal encontram-se no Auto dos Físicos, da autoria de Gil Vicente (1465-1536). Como nota de curiosidade, sabe-se que, nos finais do século XVIII, William Beckford escreveu no seu diário em 27 de junho de 1787, e a propósito de um jantar em casa do Marquês de Marialva…, “uma colher de ervilhas ou um quarto de cebola é suficiente para nos pôr a boca a arder”. Os agricultores com práticas sustentáveis podem obter boas rentabilidades com o cultivo de ervilhas, sendo que as ervilhas verdes também podem ser cultivadas em ambientes controlados e são ricas em proteínas e aminoácidos.

Grão-de-bico (Cicer arietinum L.) 

O grão-de-bico (Cicer arietinum L.) é uma leguminosa de grande consumo em Portugal. A sua origem é indicada como sendo o Médio Oriente, de onde terá vindo para a Europa com as viagens de povos mercantis. Não é conhecida a data da sua introdução em Portugal, mas tanto a sua designação espanhola (Garbanzo) como a portuguesa apontam para que a sua existência no nosso país seja anterior aos Romanos, devendo-se muito provavelmente aos Fenícios. Dada a sua versatilidade e facilidade de uso e cultivo, o povo português costuma dizer o seguinte sobre o grão-de-bico: “O grão só precisa de duas águas: a de semear e a de cozer.” O grão-de-bico assume-se, assim, como uma vantagem na satisfação de muitas das necessidades nutricionais da população humana, já que se trata de uma boa fonte de energia, proteína, minerais, vitaminas, fibras e também contém fitoquímicos potencialmente benéficos para a saúde

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Saúde: Importância das Leguminosas e Mitos da Proteína Vegetal

As leguminosas são ricas em proteínas, fibras, vitaminas e minerais. Possuem também propriedades antioxidantes e anticancerígenas, melhoram o perfil lipídico e ajudam na gestão da diabetes.

Considerando a necessidade de transição proteica, é importante desmistificar alguns mitos, como o facto de que alimentos de origem animal são superiores como fontes de proteína. Uma alimentação equilibrada baseada em vegetais pode atender perfeitamente às necessidades proteicas diárias. As leguminosas, em combinação com outros alimentos vegetais, fornecem um perfil completo de aminoácidos essenciais, sem a necessidade de consumir todos numa única refeição. Assim, uma alimentação de base vegetal diversificada ao longo do dia é suficiente para suprir as necessidades proteicas do organismo.

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Mais proteína é melhor.Este é um mito comum. Mais proteína não é necessariamente melhor, a menos que um indivíduo esteja desnutrido ou subnutrido. A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere que apenas 10 a 15% das necessidades calóricas diárias devem provir de proteínas. Uma dieta equilibrada, baseada em vegetais, pode facilmente atender a essa necessidade. Além disso, para indivíduos com doença renal crônica, a ingestão excessiva de proteína está contraindicada, pois pode causar cálculos renais e deterioração da função renal.
Alimentos de origem animal são melhores fontes de proteína do que os alimentos de origem vegetal.Esse mito decorre do fato de que os alimentos derivados de animais são fontes completas de aminoácidos essenciais, enquanto muitos alimentos de origem vegetal contêm alguns aminoácidos essenciais em quantidades menores. No entanto, os alimentos vegetais podem ser combinados para fornecer um conjunto completo desses aminoácidos essenciais. As leguminosas, por exemplo, são uma excelente fonte de lisina, complementando o perfil de aminoácidos dos cereais.
É fundamental combinar fontes alimentares de aminoácidos essenciais numa refeição única para atender às necessidades proteicas do organismo.Não é necessário garantir que as fontes de proteína vegetal sejam combinadas para produzir um conjunto completo de aminoácidos essenciais em cada refeição. O consumo separado de alimentos ao longo do dia garante os benefícios nutricionais da complementaridade. Após a ingestão, as proteínas animais e vegetais são decompostas em aminoácidos separados durante a digestão. O organismo não armazena aminoácidos, mas estes podem estar em circulação e nos tecidos de forma transitória para suprir as necessidades da síntese proteica muscular.

Conclusão

O sistema alimentar moderno enfrenta desafios significativos devido ao seu impacto ambiental e à crescente procura por alimentos com a população global em expansão. As práticas atuais de produção e consumo contribuem substancialmente para as emissões de GEE e o uso insustentável de recursos naturais. Em Portugal, o consumo elevado de carne, quatro vezes acima do recomendado, é um dos principais fatores para as altas emissões de GEE per capita do sistema alimentar nacional.

Para enfrentar esses desafios, a transição para dietas baseadas em proteínas vegetais, como as leguminosas, é essencial. As leguminosas, além de serem ricas em proteínas e nutrientes, ajudam a melhorar a fertilidade do solo e a reduzir a necessidade de fertilizantes químicos, contribuindo para a diminuição das emissões de GEE. O consumo de leguminosas não só apoia a saúde humana como também promove a sustentabilidade ambiental.

Políticas públicas e mudanças nos hábitos de consumo devem focar na promoção de fontes proteicas vegetais ou alternativas às de origem animal para garantir um futuro alimentar ambientalmente sustentável e mais equilibrado.

Este artigo contém excertos do Relatório completo do projeto Proteína Verde, disponível aqui

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