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O sofrimento das vacas leiteiras da agropecuária

São vários os estudos que evidenciam que as vacas são seres sensíveis, inteligentes e com inúmeras capacidades cognitivas. Apesar dessas valências que as aproximam de qualquer outra espécie, a maioria das vacas vive sob condições da pecuária industrial, na qual lotes de animais são fechados em currais com uma área restrita e submetidos a práticas de violência intensiva. Neste artigo, fica a conhecer o sofrimento das vacas leiteiras da agropecuária.
O sofrimento das vacas leiteiras da agropecuária

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As características impressionantes das vacas

As vacas têm um paladar aguçado e são capazes de distinguir salgado, doce, amargo e azedo, mas também ao nível de formas geométricas, cores e tamanhos. Ao verem imagens e fotografias, são capazes de reconhecer os seus semelhantes, diferenciando-os de outros seres, como ovelhas, cavalos e cabras, por exemplo. 

Também apresentam diferentes reações a indivíduos, sejam estes familiares ou desconhecidos. Um estudo de 2017, que procurou analisar psicologicamente as vacas, reconhece que estas, e todos os restantes bovinos, isto é, mamíferos da espécie Bos taurus, gostam de se envolver em várias formas de brincadeira, incluindo brincar com objetos como bolas, jogos de azar e corridas, e também brincadeiras sociais com animais de outras espécies. 

A personalidade de diferentes vacas é tão diversa quanto a de gatos, cães e humanos, podendo, cada vaca, revelar diversos ritmos de aprendizagem e aptidões variadas.

Segundo o mesmo estudo, publicado pelo portal Animal Behavior and Cognition, as vacas demonstram ter “contágio emocional”, sendo capazes de sentir o estado emocional de outros seres, pela perspetiva do outro indivíduo, demonstrando empatia e podendo, em determinados cenários, formar vínculos emocionais fortes. 

Estes animais são ainda capazes de guardar memórias durante muito tempo, conforme mostram Marino e Allen (especialistas do estudo), após 77% das vacas sob análise terem retido informações por seis semanas, em relação ao local onde se encontrava a sua comida. Estes especialistas descobriram também que as vacas interagem de maneiras socialmente complexas, desenvolvendo amizades ao longo do tempo e, às vezes, guardando até rancor de outros animais, se sentirem que existem razões para tal.

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A vaca Brownie, que vive no Santúario da Quinta Melblue, usufrui de uma vida que muitas outras vacas não têm.

A vida sofrida das vacas leiteiras

Contudo, a maioria das vacas vive em condições deploráveis devido à indústria, como é o caso da indústria dos laticínios. 

A título exemplificativo da sua vida sofrida, e no que diz respeito ao processo reprodutivo, as vacas, geralmente, chegam a dar à luz uma cria por ano, que alimentam durante vários meses, se lhes for permitido. Ainda que estas se esforcem para proteger as suas crias e que se verifique um vínculo entre mães e filhos particularmente forte, a verdade é que quando as vacas são criadas para alimentar a indústria dos laticínios, acabam separadas dos seus filhos, que são muitas vezes levados para serem mortos e vendidos ainda bebés. Existem inúmeros relatos de vacas que continuam a chamar e a procurar pelas suas crias, após a separação, o que lhes causa elevados níveis de stress.

Na indústria dos laticínios, para se manter o abastecimento constante de leite com escoamento para o mercado, as vacas são inseminadas à força pois, embora nem sempre se tenha essa consciência, como qualquer mamífero, as vacas apenas têm leite em contexto de gravidez.

Assim, a partir dos cerca de 14 meses de idade, as vacas são inseminadas e mantidas num ciclo constante de gestação, ordenha e inseminações e, desta forma, são mantidas num quase contínuo estado de lactação.

São, desta forma, submetidas a tratamentos invasivos, como a inseminação artificial e a ordenha mecânica, além de tratamentos veterinários e alimentação controlada, para que a produção de leite seja maximizada. As vacas, nestas circunstâncias, podem produzir uma quantidade de leite 4,5 vezes superior ao normal, sendo que, em todo o mundo, se estima que existam quase 300 milhões de vacas leiteiras, que produzem cerca de 600 milhões de toneladas de leite, anualmente. Cerca de 30% a 50% destes animais sofrem de mastites, uma inflamação dolorosa.

Para que produzam o leite necessário para satisfazer a indústria e o mercado, estes animais vivem num confinamento prolongado, sendo impedidos de pastar, de se deitar confortavelmente num local espaçoso, de amamentar, de criar os seus filhos e de viver em rebanhos socialmente complexos.

Apesar das vacas poderem viver 20 anos ou mais, quando estão felizes, em grupo, com a possibilidade de criar as suas crias e tendo as suas necessidades respeitadas, as vacas exploradas para a produção de leite são mortas com idades entre os 4 e 6 anos (ou até menos), uma vez que a sua capacidade de produzir elevados volumes de leite começa a diminuir após uma determinada idade, sendo abatidas quando deixam de ser economicamente viáveis para a indústria do leite. Os seus corpos podem ser simplesmente descartados ou utilizados para produzir alimentação para animais ou alimentos processados (como hambúrgueres) já que, uma vez que são mais velhas, a sua carne é vista como menos tenra e, por isso, na ótica da indústria da carne, não é viável para comercialização de produtos que não sejam processados. 

Esta é a realidade das vacas leiteiras. Os restantes animais da pecuária, nomeadamente os outros membros da subfamília Bovinae (familía Bos taurus), são muitas vezes mortos com poucas semanas de vida, para alimentar a indústria da carne, especialmente os machos, uma vez que são considerados inúteis para a indústria de laticínios.

As crias são abatidas com poucas semanas de vida

Os vitelos, destinados à indústria da carne, são retirados às suas mães e confinados em pequenos espaços, sendo, muitas vezes, mortos com apenas 8-16 semanas. Além do sofrimento causado pela separação das suas mães, as crias são alimentadas com uma quantidade mínima de leite artificial que carece de nutrientes vitais. O que não é muito relevante para a indústria, uma vez que não se espera que vivam muito tempo.

Os animais que não são abatidos enquanto bebés são criados para crescer o mais rápido possível, engordando rapidamente, para que possam ser mortos ainda jovens.

O Matadouro

Depois de uma vida em condições deploráveis, privados de quase tudo e explorados até à exaustão, é comum que estes animais ainda tenham de passar por uma jornada angustiante, muitas vezes de longos dias, até ao matadouro.

Durante a viagem, é comum que estes animais sejam obrigados a ficar de pé, num pequeno espaço para muitos seres, sem comida ou água e sem oportunidade de se deitarem para descansar. Podem ser expostos a calor ou frio extremos, levando a que alguns não cheguem vivos ao matadouro, morrendo sem qualquer tipo de cuidado veterinário ou assistência.

Em Portugal, as normas europeias e nacionais de bem-estar animal obrigam os matadouros a insensibilizar, antes do abate, todos os animais, por via de uma técnica anestesiante que leve à perda definitiva de consciência e de total sensibilidade. O objetivo é deixar os animais inconscientes, para que não sintam a dor das próximas etapas horríveis do processo de abate. Contudo, não raras vezes, o processo de atordoamento falha, levando a que os animais não estejam completamente insensibilizados, podendo voltar a recuperar a consciência, o que os mantém vivos e em sofrimento aquando o abate. E o corte, muitas vezes, não é um golpe de misericórdia, podendo os animais manterem-se despertos mesmo durante a fase de desmembramento. Funcionários de matadouros têm vindo a relatar histórias de mortes “de arrepiar”.

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Créditos imagem: Thehumaneleague.org

As vacas só querem viver

Como todos os animais, as vacas também valorizam as suas vidas e não querem morrer. Estes animais lutam pela sobrevivência até ao fim e existem vários relatos de animais que conseguiram escapar à morte e fintar o destino.

Um exemplo disso, é a história de uma vaca chamada Idabelle que estava prestes a ser carregada num cargueiro, que sairia da Virgínia com destino à Venezuela. Isabelle conseguiu atirar-se do cargueiro e atravessar o rio a nado. Mesmo estando grávida – ou especialmente porque estava grávida e queria salvar também a sua futura cria –  Isabelle conseguiu atravessar o rio, escapando da captura por vários dias. Foi resgatada pela PETA e entregue a um santuário. 

Mas Idabelle não é caso único. Emily foi uma vaca que fugiu de um matadouro em Massachusetts, depois de saltar um portão de 1,5 metros de altura. Emily fugiu para a floresta e, durante o inverno rigoroso, sobreviveu com a ajuda de habitantes locais que lhe iam deixando alimentos para ela comer. Semanas depois, foi resgatada pelos proprietários de um santuário animal, tendo o  episódio gerado comoção popular e levado o matadouro a ser pressionado a vender o animal, por apenas um dólar, ao santuário. Emily ganhou, assim, a possibilidade de viver o resto da sua vida em paz e com dignidade no santuário.

Consequências ambientais 

A pecuária industrial tem um impacto muito negativo no meio ambiente, sendo uma das principais atividades emissoras de gases de efeito estufa, que contribuem para as alterações climáticas globais. A pecuária também contribui para a escassez e poluição dos recursos hídricos, deterioração dos solos, desflorestação e impacta negativamente a biodiversidade.

O que pode ser feito para travar a cruel realidade das vacas leiteiras

Com a atual oferta de alternativas aos laticínios, cada vez mais presentes em qualquer supermercado, é fácil abandonar o consumo de leite, queijo e iogurte de origem animal, para quem deseja incluir substitutos na sua dieta. Em particular, bebidas e “iogurtes” à base de soja, arroz, amêndoa, aveia, entre muitas outras opções, imitam a textura dos produtos de origem animal, sendo uma alternativa mais sustentável e que não contribui para o sofrimento animal.

Deixar de consumir laticínios (leite, queijo e iogurte) é uma forma de passar a mensagem à indústria de que o abuso às vacas leiteiras não é algo que deve ser tolerado.

Artigo original com a colaboração de Susana Sousa Ribeiro.

Referências:

Animalbehaviorandcognition.org
Peta.org
Thehumaneleague.org
Dgav.pt
Asae.gov.pt
Apambiente.pt
Ifap.pt
Animal-ethics.org
Airliquide.com
Op.europa.eu/pt/publication-detail/-/publication/b4e735f9-c7aa-11e9-9d01-01aa75ed71a1
Researchgate.net/publication/233821393_Some_We_Love_Some_We_Hate_Some_We_Eat_Why_It’s_So_Hard_to_Think_Straight_About_Animals

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