Prova disso é a recente fundação de um clube de futebol brasileiro vegan. Chama-se Laguna, vai jogar na 2º divisão do Rio Grande do Norte e é liderado por Gustavo Nabinger, de quem partiu a ideia de fundar um clube vegan. Assim, durante a época de jogo e enquanto estiverem ao cuidado do clube, os jogadores vão seguir uma alimentação sem quaisquer produtos de origem animal. Isto inclui a comida do dia-a-dia, mas também a que é servida aos adeptos no estádio em dias de jogo, a suplementação desportiva dos jogadores e até os produtos de limpeza usados no espaço.
Pode parecer curioso, mas este não é o primeiro clube vegetariano do mundo. O pioneiro nesta matéria foi o clube Forest Green, de Inglaterra. Joga na terceira divisão e, em 2015, tomou a decisão de se tornar o primeiro clube de futebol vegan do mundo. Além da vertente gastronómica, o clube implementou outras mudanças rumo à sustentabilidade como inovações tecnológicas e o patrocínio a projetos de desenvolvimento sustentável.
Estes exemplos mostram que, afinal, o vegetarianismo está cada vez mais entranhado no desporto, e Portugal não é exceção. Neste artigo damos-te a conhecer atletas portugueses com uma alimentação vegetariana para perceber se, de facto, desporto e vegetarianismo podem ser conceitos compatíveis.
A alimentação vegetariana pode trazer benefícios aos desportistas?
Os autores de uma revisão científica de 2015 sugerem que a adequada ingestão de hidratos de carbono, típica de uma alimentação vegetariana que recorre às leguminosas como principal fonte de proteína, pode até otimizar a performance, uma vez que este macronutriente é a principal fonte de energia dos desportistas. Também a grande quantidade de antioxidantes é apontada como uma vantagem desta alimentação, já que contribui para combater o stress oxidativo consequente do exercício físico.
A alimentação plant-based é também apontada como uma forma de equilibrar o ácido-base dos músculos, diminuindo as dores causadas pela formação do ácido lático durante o esforço físico. Tendo em consideração a quantidade de frutas, vegetais, algas e leguminosas ingerida numa alimentação onde não entra nem carne nem peixe, o sistema imunitário acaba por sair reforçado e o corpo fica com menos inflamação, dois aspetos muito vantajosos para quem pratica desporto.
Apesar destes benefícios referidos em alguns estudos e/ou revisões científicas, há também alguns aspetos nutricionais que preocupam quem reflete sobre o tema. São cada vez mais os produtos vegetais com grande quantidade de proteína nas prateleiras dos supermercados mas, ainda assim, há quem duvide da possibilidade de atingir doses generosas deste macronutriente sem o consumo de carne e peixe. Recorde-se que a proteína – que resulta de um conjunto de aminoácidos essenciais – é uma mais-valia para o fortalecimento muscular, dando energia ao corpo para o esforço físico.
Além da quantidade diária de proteína ingerida, outra preocupação relacionada com este tema é a qualidade das proteínas vegetais. Será que são completas, contendo todos os aminoácidos essenciais? A creatina e a carnitina, por exemplo, estão apenas presentes em carnes, pelo que podem constituir uma carência para os vegetarianos, apontam alguns nutricionistas e profissionais que acompanham atletas.
Recentemente, a Women’s Health, revista e site dedicada ao mundo desportivo, publicou um artigo precisamente sobre a alimentação vegetariana estrita e a prática de desporto. Entre os pontos positivos para a saúde, destaca a redução da gordura ingerida, bem como dos produtos processados, evitados, principalmente, por quem exclui o leite e outros derivados da alimentação. “Procurar a ajuda de um nutricionista e personalizar ao máximo a alimentação é meio caminho andado para o sucesso – e para evitar consequências indesejadas”, conclui a Women’s Health.
Micronutrientes como o ferro, o zinco, o cálcio, as vitaminas D e B12, ómega 3 e o iodo também preocupam quem não está familiarizado com o vegetarianismo. Mas será que estas questões devem ser uma preocupação?
A experiência dos atletas Patrícia Simões e Rafael Pinto
Patrícia Simões tem 27 anos e pratica Crossfit, uma modalidade conhecida mundialmente por ser muito desafiante. É um tipo de treino criado por Greg Glassman há mais de 20 anos e, trocando por miúdos, consiste numa espécie de competição com exercícios de alta intensidade, uma mistura de halterofilismo com ginástica, calistenia e outros movimentos com halteres, kettlebells ou barras.
Se os treinos do dia-a-dia já são, por si só, uma competição, também há um sem número de competições em Portugal e além-fronteiras desta modalidade. O Crossfit Games é um dos mais conhecidos e põe à prova atletas de todo o mundo. Patrícia Simões ficou entre o top 5 do ranking nacional feminino, tendo competido, depois, com atletas internacionais nos quarter finals.
Destacou-se também em terras de nuestros hermanos, no Madrid Championship, ficou em 24º lugar na tabela de classificações, numa prova com mais de 65 atletas vindos de todo o mundo. A última competição em que participou foi o French Throwdown: “fiz as qualificações, passei e fiquei entre as 40 atletas que conseguiram, o que é bastante bom para mim”, disse em entrevista à Associação Vegetariana Portuguesa. Note-se que há vários níveis de dificuldade nestas competições e é na categoria “Elite”, para adultos dos 18 aos 34 anos, que Patrícia compete.
Estes resultados são conseguidos com uma alimentação de base vegetal, ou seja, onde não entram quaisquer alimentos de origem animal. É assim há 8 anos e a verdade é que não sentiu menos força, muito pelo contrário. “Antes [de ter uma alimentação estritamente vegetariana] fazia vólei federado e a verdade é que, às vezes, me sentia bem mais cansada ou mentalmente mais estourada e sofria muito mais a nível da recuperação. Agora não tanto. Acabo de comer e se tiver de fazer um WOD [Workout Of the Day] a seguir está tudo bem”, explica.
Apesar de estar quase sempre no topo das tabelas de classificação, admite sentir preconceito quanto à sua alimentação. “Não há um dia em que não oiça um comentário a dizer que eu sou boa no crossfit, mas, se comesse um bife, estava ótima. No treino de força, onde sou menos boa, oiço muitas vezes que sou assim por só comer couves. Eu sei que é brincadeira, mas, no fundo, há sempre um bocadinho de verdade”, diz.
Falando sobre a comida propriamente dita, a atleta, que passa 4 a 5 horas do dia a treinar, confessa que come “bastante bem”. “Como bastantes hidratos, porque é onde vou buscar mais energia. Para teres uma ideia, como 250 gramas ao almoço e 150 gramas ao jantar [de hidratos de carbono]”, descreve. Tudo isto sob aconselhamento da nutricionista Catarina Augusto, por quem é acompanhada para garantir a melhor performance possível.
Rafael Pinto, autor do livro “Saúde & Fitness Vegan” e atleta de musculação, é outro exemplo de que a alimentação estritamente vegetariana é adequada à prática desportiva. Decidiu passar a ter uma alimentação de base vegetal há 7 anos e reconhece que a mudança foi muito positiva no rendimento desportivo.
Numa entrevista à Associação Vegetariana Portuguesa a partir de Bruxelas, Bélgica, onde está a fazer um estágio no Parlamento Europeu, conta o tipo de alimentação que fazia antes de optar pelo veganismo: “consumia meio quilo de carne todos os dias, mais ovos, proteína de leite, muita fruta e vegetais. Não há nenhuma recomendação para comer esta quantidade de carne diariamente”.
Assim como a atleta Patrícia Simões, Rafael Pinto também reconhece que o estigma acerca dos atletas vegetarianos ainda é uma realidade, no entanto, cada vez menos significativa. “No início, há 7 anos, sentia muito essa questão. As pessoas ficavam muito surpreendidas. Com o passar dos anos tornou-se cada vez mais normal”, relata.
Além de ter lançado um livro em 2020, Rafael Pinto, que treina 5 vezes por semana por, pelo menos, uma hora e meia, usa as redes sociais para promover conhecimento científico sobre a alimentação vegetariana saudável.
Patrícia Simões e Rafael Pinto são dois nomes já bem conhecidos entre os vegetarianos portugueses no mundo desportivo, mas há mais. Marta Hurst é capitã da seleção nacional de voleibol e também exclui qualquer ingrediente de origem animal do seu dia-a-dia; Ilda Pereira, que também opta por uma alimentação de base vegetal, é atleta de BTT e há também quem se destaque na corrida, como Bének Morais, atleta de trail running ou Tuxa Negri, em distâncias ainda mais longas – ultra trail running.