Os crescentes desafios sublinham a necessidade de repensar o futuro da agricultura e da produção alimentar na Europa. Os ecossistemas naturais desempenham um papel crucial no crescimento e desenvolvimento económico, com mais de metade do PIB global dependente dos serviços dos ecossistemas. Os custos sociais, económicos e ambientais dos sistemas alimentares globais ascenderam a 22% do PIB global em 2020.¹ ² Na UE, esses serviços foram avaliados em 187 mil milhões de euros em 2018, sublinhando o seu papel na estabilidade económica e na produtividade agrícola.³
Estimativa média do custo real anual total dos alimentos, incluindo custos externos
A biodiversidade e os ecossistemas saudáveis são essenciais para a agricultura, fornecendo serviços cruciais como polinização, fertilidade do solo e regulação da água. No entanto, a agricultura animal intensiva impulsiona a perda de biodiversidade através da desflorestação e da destruição de ecossistemas de alto valor, principalmente para produção de produtos de origem animal ou alimentos (ração) para animais. Essa perda impacta negativamente os sistemas alimentares, enfraquecendo a resiliência e contribuindo para problemas como erosão do solo, declínio dos polinizadores e proliferação de espécies invasoras. Proteger os ecossistemas é, portanto, vital para garantir a sustentabilidade e a produtividade agrícolas.
Os sistemas alimentares globais são responsáveis por um terço das emissões de gases com efeito de estufa, com a agricultura da UE a contribuir com 11% a 13% das emissões líquidas, principalmente de metano e óxido nitroso.⁴ ⁵ ⁶ Essas emissões, combinadas com eventos climáticos extremos causados pelas alterações climáticas, ameaçam a produtividade agrícola e os meios de subsistência dos agricultores.
A agricultura, como principal impulsionadora desses problemas, também deve estar no centro das soluções. Enfrentar esses desafios exige uma mudança fundamental no paradigma de produção atual.
A diversificação da produção agrícola deve incentivar a produção de alimentos vegetais para consumo humano direto – como feijão, grão-de-bico, tremoço, cereais, fruta e hortícolas – ou como ingredientes para desenvolvimento de produtos alimentares de base vegetal.
A ProVeg Internacional publicou um documento que propõe as seguintes soluções para as explorações agrícolas :
- Aumentar a produção de culturas especializadas.
- Expandir o processamento e o fabrico de culturas proteicas vegetais.
- Privilegiar práticas biológicas.
- Adotar práticas agrícolas regenerativas.
Alterações políticas
A nível global, a FAO, o PNUD e o PNUMA destacaram que 87% dos subsídios agrícolas são ineficazes, desiguais, distorcem os preços dos alimentos, prejudicam a saúde das pessoas ou degradam o ambiente.⁷ ⁸
Na UE, mais de 80% do apoio proporcionado pela Política Agrícola Comum (PAC) é direcionado para a agricultura animal intensiva – apesar da contribuição significativa do setor para as emissões de gases com efeito de estufa, perda de biodiversidade e impactos negativos no desenvolvimento económico, resiliência agrícola e segurança alimentar.⁹
Atualmente, os pagamentos de apoio ao rendimento vinculados à área das explorações incentivam a produção intensiva, a monocultura e outras práticas insustentáveis, agravando a consolidação corporativa à medida que pequenas explorações perdem competitividade.
Recomendações políticas
Reformar os subsídios agrícolas
- Aumentar a proporção de subsídios da PAC alocados à produção sustentável de culturas para incentivar a diversificação.
- Implementar a contabilidade de custo real na produção de alimentos, integrando custos ambientais e de saúde nos subsídios da PAC.
Melhorar o acesso ao capital e financiamento
- Desenvolver cadeias de valor que capacitem os agricultores a capturar mais valor da produção diversificada, apoiadas por infraestrutura e desenvolvimento de mercados.
- Estabelecer um fundo de subvenções dedicado a ajudar os agricultores a diversificar as suas culturas e a adotar práticas mais sustentáveis.
- Aumentar o acesso a empréstimos com juros baixos ou nulos para ajudar os agricultores a desenvolver negócios viáveis e sustentáveis que atendam à evolução da procura dos consumidores.
Desenvolver sistemas de conhecimento e infraestrutura
- Estabelecer programas abrangentes de assistência técnica e desenvolvimento de infraestrutura.
- Lançar ensaios públicos com agricultores e criar redes de demonstração, como forma de dar suporte técnico, para diversificação das práticas agrícolas e melhoria das cadeias de abastecimento regionais.
- Criar programas de troca de conhecimento entre pares para facilitar a colaboração e a partilha de competências entre agricultores.
Promover a procura de produtos sustentáveis
- Introduzir requisitos mínimos para alimentos vegetais e biológicos nas políticas que regulam as compras públicas alimentares.
- Reduzir as taxas de IVA sobre produtos vegetais e biológicos para tornar opções sustentáveis mais acessíveis aos consumidores.
Fomentar políticas orientadas para os agricultores
- Construir sistemas de apoio de longo prazo para agricultores focados na autonomia e no envolvimento comunitário.
- Simplificar os requisitos de relatórios para reduzir a carga administrativa dos agricultores.
O documento completo da ProVeg pode ser consultado aqui. Inclui informação e recomendações mais detalhadas tendo em vista um futuro agrícola mais resiliente, sustentável e inclusivo na Europa. Este documento teve como base conversas com representantes de organizações agrícolas.
Artigo da autoria de Nicole Rocque e Josh Bisig. Adaptado de ProVeg International.
Referências
- Ruggeri Laderchi, C., et al. (2024). The Economics of the Food System Transformation. Food System Economics Commission (FSEC), Global Policy Report.
- Hendriks, S. et al. (2023). The True Cost of Food: A Preliminary Assessment. In: von Braun, J., Afsana, K., Fresco, L.O., Hassan, M.H.A. (eds) Science and Innovations for Food Systems Transformation. Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-031-15703-5_32
- Vysna, V., Maes, J., Petersen, J.E., La Notte, A., Vallecillo, S., Aizpurua, N., Ivits, E., Teller, A., Accounting for ecosystems and their services in the European Union (INCA). Final report from phase II of the INCA project aiming to develop a pilot for an integrated system of ecosystem accounts for the EU. Statistical report. Publications office of the European Union, Luxembourg, 2021.
- Crippa, M., E. Solazzo, D. Guizzardi, et al. (2021): Food systems are responsible for a third of global anthropogenic GHG emissions. Nature Food 2(3), 198–209. doi:10.1038/s43016-021-00225-9
- EEA (2023): Annual European Union greenhouse gas inventory 1990–2021 and inventory report 2023. Submission to the UNFCCC Secretariat. Available at: https://www.eea.europa.eu/publications/annual-european-union-greenhouse-gas-2 [Accessed: 22.08.2024]
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- FAO, UNDP and UNEP (2021): A multi-billion-dollar opportunity – Repurposing agricultural support to transform food systems. In brief. Rome. https://doi.org/10.4060/cb6683en
- UNEP (2021): A Multi-Billion-Dollar Opportunity: Repurposing agricultural support to transform food systems. Available at: https://www.unep.org/resources/repurposing-agricultural-support-transform-food-systems [Accessed: 27.08.2024]
- Kortleve, A. J., J. M. Mogollón, H. Harwatt, et al. (2024): Over 80% of the European Union’s Common Agricultural Policy supports emissions-intensive animal products. Nature Food 5(4), 288–292. doi:10.1038/s43016-024-00949-4